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Então, Governador, gostou? Requião respondeu: melhor impossível.

  • caiobrandao90
  • 7 de mai. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 5 de jun. de 2022

A prática de viagens de recreio ficará amortecida por algum tempo, em face da atenção da Operação Lava Jato, que desencorajou uns e outros procedimentos veniais da classe política, que estavam incorporados ao seu cotidiano. Segundo o costume, ou, a prática, tão logo eleito, o governador partia rumo ao Exterior, para um “tour” recreativo, escudado no argumento da prospecção de oportunidades de investimentos destinados ao seu Estado e acompanhado de áulicos de diversos naipes, empresários, jornalistas, oportunistas de ocasião e alguns talentosos aspones, todos a dedo escolhidos.


Requião se preparava para iniciar o primeiro mandato no governo do Paraná. O secretariado já fora definido, através de escolhas complexas, em tabuleiro de intrincado xadrez; os diversos atores tinham nome, codinome e lugar marcados no governo, e lá se foi, segundo a tradição, para o Exterior, Roberto Requião de Mello e Silva, combatente aguerrido, seguido por disciplinado séquito de personalidades, nautas de embarcação sequiosa de poder, umas notórias e outras na esperança das sempre imprevisíveis atenções do eleito. Requião no comando, solene, vigoroso e às próprias expensas, apontava o rumo e enfunava as velas com o sopro do seu temperamento, sempre poderoso e temido. Seria uma viagem de resultados.


Eu não havia sido incluído oficialmente à comitiva, porque o Governador, apesar de demonstrar apreço por mim, costumava manter, com empreiteiros, distância técnica de conveniência o que, aliás, prudentemente, ainda pratica.


Mas, não me dei por vencido. A comitiva tomou caminho e segui no encalço, em companhia de minha esposa, Anna, de ascendência chinesa e nascida em Hong Kong. O encontro com a comitiva se deu na cidade natal da Anna, com a qual, aliás, ela se harmonizava em estreita sintonia. Anna falava cantonês fluente, mas claudicava no mandarim. Contudo, no geral, se comunicava com proficiência, tornando a jornada leve, sem contratempos, e fazendo a rotina da viagem agradável e livre de sobressaltos culturais.


No Hotel Island Shangri-la Hong Kong, aportamos antes da chegada da comitiva. Requião e o seu préstito se exauriam em encontros formais, interagindo com as agências locais de investimentos, quando nos apresentamos à recepção do hotel. Fomos recebido com fidalguia própria de dignitário ( é assim que se escreve ) estrangeiro. Como os orientais são finamente receptivos, entendi como costumeiro o procedimento e, inclusive, carreguei os pulmões de autoridade, como se fora eu o governador e distribuí polpudas gorjetas, despendidas de recursos próprios. Subimos ao apartamento, Anna e eu, conduzidos por duas jovens de beleza típica oriental, e por dois camareiros magros e de baixa estatura. A suíte era, por definição, supimpa. As acomodações se expandiam em mais de cem metros quadrados. A cama era enorme e as cobertas, feitas de cetim, de esmerada confecção. As paredes, revestidas de seda decorada à mão, estampavam cenas do cotidiano chinês tradicional, e o revestimento, em parte, exibia bordados trabalhados com a aplicação de finas lâminas de ouro de 24k, o que é não é incomum naquele país. Havia uma ante sala com dois enormes sofás. Um, ao estilo europeu, e o outro, de madeira maciça esculpida, com figuras impressas mediante extrema delicadeza de detalhes, e de cor escura. Muito bonito, mas sem conforto. A janela da suíte abria vista para a baia de Hong Kong, com cenário deslumbrante para o nascer do sol. O serviço de quarto era diuturno, com atendente plantonista à porta da suíte, cuja presença, no seu interior, se fazia ao simples toque de um botão o, que, aliás, na prática, se transformou num incômodo. Qualquer equívoco materializava, de pronto, dentro do quarto, aquela figura incômoda e inesperada.


No final da tarde fomos à suíte do Requião. Anna queria entregar à Maristela, sua esposa, uma delicada lembrança de peça chinesa esculpida à mão, sem correr riscos de avaria. O casal nos recebeu prontamente; estava em vias de descer para o hall, mas nos convidou para uma taça de licor baijiu, destilado de sabor exótico, feito com a mistura de arroz, painço e sorgo. Entramos e nos surpreendemos com a singeleza do local, quase franciscana, sem nenhum adorno expressivo, ou requinte de enxoval. O tamanho era padrão para Hong Kong, com pouco mais de vinte metros quadrados. Bueno, pensei… em se tratando do Requião, que pratica hospedagem nos hotéis da rede Ibis, estava de bom tamanho.


Mas, logo, descobri que a suíte presidencial, em que nos hospedávamos, havia sido reservada para o governador, e custeada por algum anônimo membro da comitiva, enquanto que o aposento no qual o Requião se acomodava, era o que a empresa de turismo havia nos destinado. Preferi ficar calado, não passei recibo e, no check out do Hotel, na nossa partida, perguntei ao Requião: “E, então, governador, gostou das acomodações? Ele, de pronto, respondeu: “Sim, ótimas, melhor impossível”.


A viagem seguiu curso e resolvi antecipar o retorno ao Brasil, me desligando da comitiva. Requião tinha escolhido, como Secretário de Segurança Pública um destacado policial federal, o delegado Favetti. Diante da oportunidade e o exacerbo das compras de Dona Anna, de baixo valor, mas de grande volume, resolvi não correr riscos de questionamentos na chegada à alfândega. Assim, pedi ao governador que solicitasse ao Favetti apoio oficial e informal, (dubiedade à brasileira) na minha chegada à aduana, em São Paulo. Requião se dispôs de pronto e abriu largo sorriso, demonstrando interesse. E, assim, voamos para São Paulo, com enorme tralha de bugingangas inúteis e amor-próprio respaldado pela eventualidade da “impunidade”. Na chegada, fomos imediatamente identificados por agente da Polícia Federal, que nos conduziu a uma sala reservada. Achei que dali fossemos direto para o ponto de taxi, rebocando a tralha e com algum oficial de polícia empurrando o carrinho de bagagem. Mas, não foi bem assim. A bagagem foi criteriosamente revistada, com todos os itens colocados sobre uma bancada de madeira, notas exigidas, várias apreensões feitas e com a exigência de pagamento dos impostos respectivos, além da aplicação de multas severas. Uma lástima, mas sobrevivemos e com elegância.


No dia seguinte, em casa e livre dos sobressaltos da viagem, recebi telefonema do Governador Requião. “Bom dia, meu amigo Caio”, disse, faceiro e em tom festivo. “E, aí, correu tudo bem na alfândega?” “Foi bem recebido?” Ao que respondi: “Sim, governador, muito bem recebido e obrigado pela gentileza, foi tudo ótimo, melhor impossível.”

 
 
 

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