Caindo sobre o fogão à lenha no TCU
- caiobrandao90
- 4 de abr. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de jun. de 2022
Em Curitiba a empresa mantinha escritório com atividades direcionadas para o mercado do sul do país. O mercado era diversificado, e oferecia obras de maior e de menor porte, sendo algumas de curta e outras de média e longa duração, variando, também, a questão da rentabilidade, que poderia ser conservadora ou agressiva, dependendo da natureza do empreendimento contratado e de eventuais necessárias mudanças no projeto original.
O acompanhamento do setor energético, com destaque para as empresas de geração e distribuição, estava a cargo de colega descendente de família tradicional em Curitiba, engenheiro com expertise na área, e que dividia comigo, e com a equipe que me apoiava, as instalações de uma casa alugada. Vou chamá-lo de Branco, para evitar ressentimentos, porque a nossa convivência, em espaço físico compartilhado, não ocorreu sob atmosfera que pudesse ser considerada amigável.
A Secretária, que atendia o escritório como um todo, cultivava o hábito de emitir passagem de avião de Curitiba para Belo Horizonte com escala em Manaus, por exemplo. A moça não tinha noção do que fazia, mas contava com o apoio irrestrito do Branco, por ser organizada no manuseio de documentos e ter outras habilidades administrativas elementares, pelo mesmo apreciadas.
Dado à minha insatisfação com a funcionária, optei por demiti-la, o que gerou entre o Branco e eu, um sentimento inamistoso, a ponto de nos cumprimentarmos apenas com acenos de cabeça.
Num final de semana, em noite de sábado, o escritório foi invadido por ladrões, que se esbaldaram nas suas instalações, abrindo gavetas, espalhando documentos, quebrando computadores, urinando nas paredes, enfim, vandalismo total, sem roubo, porque não havia o que roubar.
Na segunda-feira seguinte, Branco chegou ao escritório e encontrou a sua sala totalmente desorganizada e vandalizada, quando ele, tomado pelo espanto, perguntou ao Mário Baltar o que havia acontecido. Baltar, dotado de humor refinado e inspirado por notável senso de oportunidade, disparou de pronto, informando ao Branco que o Caio Brandão havia tido um surto psicótico, que tinha posto abaixo a porta da sala aos pontapés, vandalizado o ambiente e tendo, inclusive, urinado no interior da cafeteira. Branco, apavorado, não esperou pela chegada do Brandão, para exigir satisfações, e sequer ensaiou alguma reclamação ou protesto. Simplesmente não mais retornou ao Escritório, tendo se instalado em outro local. Menos mal, cada um no seu quadrado.
Com a contratação do Ricardo Pigatto, para o Escritório de Porto Alegre, que também se encontrava sob a minha responsabilidade, abriu-se uma fresta de acesso, mediante as cautelas de estilo, a um dos membros do Tribunal de Contas da União, que estava com aposentaria requerida. O TCU, como o principal órgão de controle externo no tocante à utilização, por qualquer meio, de recursos oriundos do governo federal, vinha introduzindo, nos seus julgamentos, mudança de entendimento sobre várias questões pertinentes a licitações e prestações de contas, o que tornou imperiosa a revisão de procedimentos internos, pela empresa, no sentido de não cometer irregularidades e sequer afrontar o entendimento dominante entre os ministros daquela Casa de Contas.
Assim, seria interessante poder conversar sobre temas controversos e informalmente, com um dos ministros, buscando orientação e aprendizado no tocante a entendimentos genéricos em vias de atualização, e cuja jurisprudência seria oportunamente consolidada na latitude das decisões proferidas no âmbito do TCU, tanto as monocráticas, quanto àquelas emanadas do Pleno do Tribunal.
O encontro se deu em um festejado restaurante, em Brasília. O Ministro, mediante comportamento formal e acompanhado da esposa, conversou com o Pigatto sobre laços de família, fez alusões à política no Rio Grande do Sul e enveredou a prosa por temas gastronômicos, em voga. Perguntei ao Ministro se gostaria de pedir alguma bebida, bem como à sua esposa. Ela pediu um suco natural, enquanto que o Ministro se declarou abstêmio e agradeceu, convicto. Mas, ato contínuo, se arrependeu e disse que abriria uma exceção naquela noite. Dirigindo-se diretamente ao garçom, com voz firme e com a mão direita levantada, pediu dose dupla de uísque, sem gelo e com ’choro’. O garçom, na expectativa de boa gorjeta, chorou copiosamente despejando no copo do ministro três encorpadas doses. A conversa seguiu toada, e chamava de todos à atenção o fato de o Ministro estar com um curativo fixado no lado posterior da cabeça, próximo à nuca. Pigatto, timoneiro de mar de almirante, tentando ser gentil com o nosso convidado, perguntou ao Ministro se ele havia sofrido algum acidente. O Ministro, educadamente e com voz pausada, disse que sim, que ele se encontrava trabalhando no seu gabinete, no TCU, e que, devido a troca da cadeira de seu uso diário, pelos funcionários do Tribunal, ele havia se desequilibrado e caído para trás, e batido com a cabeça na quina do fogão à lenha. Nesse momento o Pigatto claudicou, emendando: Mas, Ministro, o Senhor tem um fogão à lenha no seu gabinete, no Tribunal? O Ministro, nervoso e de forma ríspida e acelerada pelo alto teor etílico ingerido, respondeu, perguntando: Fogão à lenha, que fogão à lenha é esse, meu caro? Aonde já se viu isto? No meu gabinete, no Tribunal? Para completar, e antes de se levantar para ir embora, acrescentou:’ fogão à lenha é o caralho’.

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